Por que estudantes sagazes, brilhantes e inteligentes evitam a Matemática? Ela é a chave para o sucesso científico, tecnológico, industrial e comercial, mas são poucos os que a ela se dedicam com prazer. O relatório da Sociedade Americana de Matemática registra que o último ano acadêmico apresentou, nos Estados Unidos, o menor número de doutoramentos na área nos últimos quinze anos. O presidente do Comitê da Sociedade, Edward A. Cônnor, declarou, preocupado, que isso representa uma ameaça para a segurança nacional e para a competitividade econômica do país, no cenário internacional.
Um artigo recente do The New York Times, sob o título "Curando a ansiedade matemática", registrou as preocupações da chefe de orientação curricular da Universidade de Wesleyan, Sheila Tobiss. Desde 1970, ela se preocupa com os sintomas de ansiedade matemática dos jovens estudantes e, em 1975, decidiu abrir no campus uma Clínica para Ansiedade Matemática. Colocou símbolos matemáticos por toda parte e perguntou aos consulentes: "Eles parecem ameaçadores a vocês?"
Como parte do tratamento, encorajou-os a falar de suas experiências nessa área. Percebeu que muitos se saíam bem com a Matemática na escola elementar, até tropeçarem em algum problema - a Geometria, por exemplo - que não conseguiam entender. Sem ajuda eficiente, passaram a sentir-se estúpidos - e desistiram. Essa experiência - digamos, clínica - transformou-se em dois livros. Sheila Tobiss quer ter a certeza de que especialistas em História ou Literatura, por exemplo, não sairão da escola sem saber nada de Matemática.
Estimulados por aquele artigo, fo-mos entrevistar alguns estudantes que ingressaram em nossas universidades este ano no campo das Humanidades. E percebemos que entre eles não é raro o desejo de nunca mais enfrentar um curso de Matemática. Persiste o mito de que ela trata de um assunto esotérico, necessário somente aos gênios científicos. Parece enfadonha e, freqüentemente, os professores a fazem assim. Eles dão aos estudantes poucas oportunidades para debater a Matemática; ao contrário, quase sempre insistem em respostas corretas e exatas, reforçam a necessidade de memorização de regras, cobram rapidez.
Falar, pensar e sobretudo escrever sobre Matemática é raro na escola, embora seja uma constante entre os profissionais. Quando discutem seu trabalho durante o jantar, eles costumam cobrir a toalha da mesa com cálculos e raciocínios. Isso quase sempre prejudica a paz conjugal, mas com certeza ajuda a dissipar a aparente ari-dez do campo em que trabalham. Os estudantes imaginam que é preciso decorar para saber; os especialistas, ao contrário, preferem trabalhar as idéias, mesmo quando esqueceram a fórmula. É verdade que, para trabalhar as idéias, seria necessário desfrutar de um grau de liberdade que não existe na escola. Os livros, em geral, são roteiros de instruções que não fixam a atenção dos estudantes, impedindo-os de estabelecer aquilo que os psicólo-gos chamam reforço espiral: insistir num mesmo ponto, aumentando, gradativamente, o nível de compreensão. Isso se deve ao fato de que, na maioria das vezes, os assuntos são apresentados ao contrário do que sucedeu no processo de criação.
Ou seja: uma vez completados os teoremas e suas demonstrações, toda apresentação simbólica e verbal é rearranjada e polida segundo os cânones do método dedutivo. Isso dificulta a compreensão, pois elimina o proces-so de descoberta e não documenta o traço mais humano da produção. Muitas vezes sonega até mesmo a informação de que o produto final apresentado é o resultado de séculos de pensamentos, erros e acertos de centenas de pessoas brilhantes.
Talvez seja um consolo saber que alguns dos erros que você cometeu durante sua vida escolar podem ter sido problemas que a humanidade levou séculos para vencer. Matemáticos não são as pessoas mais inteligentes, necessariamente. São apenas aquelas que se conhecem bem e sabem quando devem folhear um livro e quando devem deter-se longa e atentamente sobre um parágrafo. Não se julgam tão severamente quando não encontram a resposta certa. São pacientes, tenazes e raramente muito rápidas.
Fonte:
Superinteressante, maio de 1988
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