quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Geometria com Urso e sem Urso: Colocando a Matemática em Xeque

A geometria analisada de diferentes formas.
Luiz Barco
Partindo de um certo ponto da Terra, um caçador andou 10 quilômetros para o sul, 10 quilômetros para o leste e 10 quilômetros para o norte, voltando ao ponto de partida. Ali encontrou um urso. De que cor é o urso?

Existem muitas versões dessa velha charada, e estou usando-a para ilustrar uma idéia. Recentemente apresentei esse problema a um grupo de estudantes da universidade. Eles fizeram observações interessantes. A primeira dizia ser impossível o caçador voltar ao ponto de partida, andando a mesma distância para o sul, para o lesta e para o norte. O esquema dessa solução é este:
Não foi difícil mostrar a esses jovens o erro de seu raciocínio: a Terra seguramente não é uma superfície plana, mas curva. A partir daí, outro grupo de jovens imaginou que o correto seria desenhar o trajeto do caçador assim:

A solução, então, estava à vista: andando 10 quilômetros naqueles três direções perpendiculares, o caçador só voltará exatamente ao ponto de partida se começar a andar exatamente no pólo norte.
E o urso? Como a história se passa no pólo norte, só pode ser um urso polar, branco, portanto. Toda a dificuldade em solucionar esse pequeno problema reside no hábito de pensar a geometria sobre um plano. Esse nosso hábito deve ter nascido por volta do terceiro século antes de Cristo e se deve a um dos mais exuberantes matemáticos que o mundo já conheceu: Euclides. Dele, e das muitas coisas que fez, cuidarei futuramente. Agora quero lembrar que uma de suas idéias fundamentais dizia: tomando-se um ponto fora de uma reta dada, somente uma das infinitas retas que passam sobre esse ponto é paralela à reta dada ( esta proposição é conhecida como o Quinto Postulado de Euclides).

No século passado, os matemáticos ousaram substituir esse postulado, plantando o marco inicial da Geometria chamada não-euclidiana. Essa ousadia teve como conseqüência a possibilidade de se construírem geometrias inteiramente arbitrarias- das quais a de Euclides continua sendo a mais simples. Ela diz que só é possível traçar uma paralela; outras dizem ser possível traçar uma infinidade de paralelas; e outras dizem que não há paralela alguma.

Imaginemos seres bem pequenos, habitantes de uma esfera polida com as dimensões da Terra. Eles tomam sobre o equador um segmento AB de 1 metro de comprimento; nas extremidades A e B levantam duas perpendiculares e marcam AC e BD também de 1 metro de comprimento. Eles pensarão ter traçado duas paralelas, imaginando que, por mais que prolonguem os segmentos AC e BD- cuidando que os sucessivos metros sejam exatamente o prolongamento do anterior-, as duas linhas manter-se-ão indefinidamente separadas.

Mas, se tentarem reproduzir experimentalmente essa idéia, vão verificar que, ao contrário, as linhas vão aos poucos se aproximando, para se unirem no pólo norte.

A geometria esférica é uma geometria sem paralelas. A relatividade geral de Albert Einstein sugere que os homens no Universo são comparáveis a formigas deslocando-se sobre uma bola lisa do tamanho da Terra. Mas o Universo é muito menos curvo para os homens do que a bola para as formigas, de modo que a Geometria euclidiana continua conveniente para nosso espaço físico usual. O problema que deu origem a essas divagações tem outras soluções. Imagine que você está no pólo sul; trace círculos concêntricos, com diferentes comprimentos. Um desses círculos terá 10 quilômetros de comprimento e qualquer ponto 10 quilômetros ao norte dele satisfará as condições do problema inicial. O caçador anda 10 quilômetros para o sul e chega a esse circulo; anda 10 quilômetros para o leste e dá uma volta completa; ao andar 10 quilômetros para o norte, volta ao ponto de partida. A conclusão é simples: mesmo que uma solução pareça fechar um problema perfeitamente, é sempre preciso ousar crer que existem outras, igualmente válidas. Nessa nova solução, vai sobrar o urso: não existem desses bichos no pólo sul. E eles nem tem nada a ver com a Matemática.

Luiz Barco é professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

Fonte: Revista Superinteressante, março de 1989

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