sábado, 11 de dezembro de 2010

De dez em dez ou de dois em dois


Luiz Barco

Para multiplicar 17 por 13 nós precisamos recorrer a um vasto arsenal de técnicas e tabuadas que decoramos nos primeiros anos escolares. Mas existe um outro método, sem dúvida mais fácil, embora soe menos "prático". Basta formar duas colunas, A e B. A primeira, sobre o número 17; a segunda, sobre o 13. Na coluna A, dividimos sucessivamente por 2; na coluna B, multiplicamos sucessivamente também por 2.

A seguir, riscamos os números pares da coluna A e seus correspon-dentes da coluna B. Então somamos os números não riscados da coluna B e temos o resultado da multiplicação. No exemplo acima, sobram, sem serem riscados, o 13 e o 208, que, somados, fazem 221, exatamente o resultado de 17 x 13. Observe que esse método, embora menos prático, exige apenas multiplicações e divisões por 2, além da soma. Uma sociedade não escolarizada pode muito bem usar esse sistema e, de fato, até há bem pouco tempo ele era utilizado pelos camponeses em várias regiões da Rússia. Há mesmo evidências de que foi utilizado até recentemente também na Alemanha, na França e na Inglaterra. E servia perfeitamente aos egípcios, vinte séculos antes da era cristã.

As mais primitivas tribos da África e da Austrália utilizam um sistema de numeração inteiramente diferente do nosso sistema decimal. Trata-se de um sistema binário, ou seja, de base dois (nosso sistema é de base dez). Os membros dessas tribos, tão atrasados, não atingiram sequer o estágio da contagem pelos dedos das mãos. Eles utilizam nomes independentes para o 1 e para o 2 e nomes compostos até o número 6. A partir daí, tudo se chama "montão".

Há evidências de que esses indígenas contam aos pares. E para eles um hábito tão forte que dificilmente um nativo percebe quando dois gravetos são removidos de um grupo de sete, mas quando um graveto é removido ele percebe imediatamente. Seu senso de paridade é mais forte que seu senso numérico.

Uma numeração binária requer apenas dois símbolos, o 1 e o O. Suas tabuadas são muito mais simples do que as nossas, mas de qualquer forma não é nada compacto escrever números com a base dois: Por alguma razão, o camponês russo ou o egípcio de vinte séculos atrás, ou o chinês de trinta séculos, mesmo grafando os números em outras bases, ao fazerem duplicações ou mediações já usavam a base 2. No nosso exemplo, ao dividirmos o 17 sucessivamente por 2, na verdade estamos reescrevendo-o na base 2: 17 por 2 deixa resto 1, a unidade; 8 por 2 deixa resto O, grupos de 2; 4 por 2 deixa resto O, grupos de 4; 2 por 2 deixa restp O, grupos de 8; o 1 que sobra não é divisível por 2, grupos de 16. Ao cortarmos os pares 8, 4 e 2 ignoramos os zeros do 17 escrito na base 2; ao adicionarmos 13 + 208 da coluna B estávamos considerando os ls da primeira e da quinta ordens do 17 escrito na base 2. É que sobra não é divisível por 2, grupos de 16.

Ao cortarmos os pares 8, 4 e 2 ignoramos os zeros do 17 escrito na base 2; ao adicionarmos 13 + 208 da coluna B estávamos considerando os ls da primeira e da quinta ordens do 17 escrito na base 2. É interessante notar que a paridade exercitada pelas tribos da África e da Austrália e a multiplicação por duplicações e mediações, que aparecem e desaparecem para reaparecer logo depois, em épocas e lugares diversos, têm como base o 2. Essa mesma base está nas entranhas de quase todos os modernos computadores, que pouco a pouco vão invaqindo nosso mundo e nossas vidas. Ninguém com um pouco de bom senso pode prever que seja muito breve a época em que o homem civilizado trocará a base 10 pela base 2 no eu sistema de numeração. Por certo, o século XXI ainda acordará com ele. Mas quem pode afirmar que adormecerá com ele?

 

Fonte: Superinteressante, julho de 1988

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